Iniciou há mais de 30 anos no Salão Escola Jean do mestre cabeleireiro António Gaspar, também
conhecido por Toneca.
Foi ele o seu mentor durante catorze anos e quem fez com que se apaixonasse pela profissão. Quando saiu criou a sua própria marca e agradeceu-lhe todo o apoio. Ele respondeu-lhe “a ti o deves”. Uma partilha que deixa saudades, revela-nos Susana Lopes. Numa entrevista à Litoral Magazine sobre o seu percurso profissional, a hairstylist conta-nos como tudo começou, os desafios que teve de ultrapassar ao longo dos anos e os que ainda tem
pela frente. Um trabalho diário, muito competitivo e em constante mudança.
Desde muito cedo que já sabia o que queria ser?
Sim, em pequenina já me apaixonava pela profissão. Lembro-me de ter quatro anos e de querer ser a cabeleireira. Quando brincava com as minhas amigas, tinha a vantagem de “ganhar sempre”, no entanto nunca tinha o prazer de ser cliente. Lembro-me de entrar num cabeleireiro e todos os aromas me agradavam. Eu percebia que aquele ambiente era o meu. Por isso, se havia um aroma diferente, para mim era perfume.
Em 1998, com 28 anos, abriu o seu próprio salão. Lembra-se desse momento?
Foi um desafio muito grande porque nada foi pensado. Na altura iam acontecer mudanças muito significativas no local onde trabalhava. Ser-me-ia dada uma responsabilidade acrescida e eu soube que não ia corresponder às expectativas e, por isso, achei que o melhor era não aceitar. Nesse sentido percebi que tinha de me estabelecer. Pedi um tempo, para assentar as minhas ideias. Durante meio ano tomei as minhas decisões.
E passado esse tempo foi criada a marca Susana Lopes…
Pensei em comprar um espaço e estabeleci-me na Rua Comandante Rocha e Cunha. Na altura eram quatro elementos: a Anita, a minha irmã – que não percebia da área – e uma tia minha na
estética. Duas delas ainda estão comigo hoje. A “espinha dorsal” da minha casa entrou sem experiência. Fui eu que lhes dei formação.
É por isso também uma professora…
Sim, porque na altura era um pouco assim. Não existiam muitas escolas profissionais, aprendíamos trabalhando. Só mais tarde abriram escolas profissionais, o que foi um avanço. Por isso, eu tenho um espaço que posso dividir em dois. Tenho a “espinha dorsal” que veio comigo há dezoito anos, que eu ensinei, e agora tenho um grupo de jovens que têm carteira profissional. Isto dá uma fusão muito gira entre o percurso que construí e algo que chega para ser construído mas com uma base escolar..
E gosta de ensinar?
Gosto porque acredito que 30% é o profissional e 70% é a pessoa. Eu tenho de fazer com que os seus valores sejam realçados. Quando eu faço a pré-seleção é importante a pessoa. O resto adquire-se.
Na altura quando abriu o seu primeiro espaço, tinha expectativas em relação à sua carreira?
Não. Acreditava num dia de cada vez, porque quando se abre um espaço tudo é um susto. Eu abri o salão num sítio onde não passava uma pessoa a pé. Todos me diziam que era uma loucura. E era uma loucura. Aquela rua não era conhecida. Só passados quatro anos, por terem alterado o circuito das rotundas, é que começaram a passar carros. Aquele sítio era um tédio. Mas lembro- me do primeiro dia e da surpresa fantástica que tive: quando cheguei lá tinha duas pessoas à porta, porque queriam ser as primeiras.
Essas pessoas ainda vêm cá hoje?
Uma sim, outra não. Mas foram pessoas que me vieram dar sorte. Queriam-se registar no momento. Lembro-me perfeitamente do número que fiz no dia e no raciocínio que tive: se fizer sempre assim sou capaz de saldar despesas.
E a experiência como formadora na L’Oréal, como tem sido?
Eu faço parte do grupo ID da L’Oréal há oito anos. Quando me convidaram para o projeto,
percebi que era algo que ambicionava porque ia para a fonte. Sempre que vou a uma formação, gosto de perceber que estou a beber da fonte, eu quero ir à origem. Na L’Oréal eu percebi que ia conseguir isso. Eu tenho neste momento uma sede de conhecimento enorme.
Mas sempre teve…
Sim, sempre tive. Mas nesta altura do percurso eu tenho uma sede maior. Tenho muito para aprender, mais do que no início. No princípio há uma certa ignorância, o que é bom porque nos dá alguma segurança por acharmos que sabemos. No entanto, quando temos a experiência e muito conhecimento, percebemos que estamos numa “autoestrada” que só sabemos das coisas hoje, o amanhã é incerto. Ao ritmo que está a vida, eu só sei para hoje porque para amanhã já não chega.
Isto é um mercado complicado, não é?
É um mercado complicado e que tem mudado muito. Quando iniciei, tínhamos uma formação de dez em dez anos, enquanto o meu líder ia todos os anos – já era um visionário. De repente foi de cinco em cinco, depois de ano a ano e, neste momento posso-lhe dizer que é de mês a mês. E agora ainda existe uma mudança maior: já não há uma preocupação sobre o que se usa. O que se usa é ser feliz! Então o que é que eu quero? Eu quero o indivíduo. Eu quero aquela pessoa que eu gosto do corte. Eu quero como se faz em Londres ou em Paris. Eu quero como se faz no mundo. Meu deus, afinal há tanto para conhecer.
E onde vai buscar inspiração?
Ao meu dia-a-dia. Ainda este ano estive em Nova Iorque e enquanto caminhava pelo Central Park, no sítio onde o John Lennon foi morto, tive a certeza que o “não”, não existe. E ali percebi que alguém morreu por ter dito um “não”. A palavra tem um peso muito grande, porque se tivesse dito um “sim” ainda estava vivo. Mais um motivo para eu em formação dizer “contornem para não dizer não”. Se eu não posso hoje, crio o “sim” amanhã. Por isso o meu dia-a-dia traz algo para eu melhorar e para dizer em formação. Eu gosto muito de vidas e vivências que me ensinam todos os dias. Eu aprendo com os meus erros mas se puder aprender com os outros acho que é mais inteligente ainda.
Gosta de viajar?
Aprendi. Viajar assustava-me mas consegui neutralizar o que me assustava, por isso neste momento gosto. Gosto quando associado a trabalho, porque também venho com uma mala cheia.
A Susana está presente no universo da moda. Como é estar em desfiles?
Neste momento estou ligada ao Portugal Fashion. É um projeto que me dá muito prazer porque quando chegamos lá temos de desligar o hairstyling diário, não podemos ser nada do que somos no dia-a-dia. E se não conseguirmos fazer isso muito bem, não nos adaptamos. Se no cabeleireiro toda agente gosta de volumes, ali é diminuir os volumes. O hairstylist tem de estar de uma forma focada e não pode incomodar ninguém. Temos horas muito apertadas, os looks têm de ficar iguais, sendo elas muito diferentes.
Temos de ter soluções rápidas que têm de funcionar e não podemos pensar muito. Os hairstylists estão habituados a viver com o stress e a adrenalina.
E a Susana sente-se bem em trabalhar sobre stress?
Muito bem, estou habituada. Eu tenho um trabalho dinâmico e rápido por natureza, quando tenho mais tempo já não sou eu. Tenho de fazer no meu timing. Como avalia estes dois anos no novo atelier? São dois anos que eu sabia que seriam o começo mas que considero positivos. Criámos um percurso de crescimento enquanto equipa. As duas equipas, de “mundos” diferentes já se encaixam muito bem.
O incêndio também lhe deu força para recomeçar…
Sem dúvida. Na altura fiz um balanço se valia a pena desistir ou continuar. Se eu desistisse, desistia, se continuasse tinha de fazer grandes mudanças. Mesmo eu mudei muito como pessoa e líder. Aqui tenho de abrir mais os horizontes, de ter uma forma de ver as coisas completamente diferente.
Quantas pessoas trabalhavam lá e quantas trabalham aqui?
No anterior espaço trabalhavam quinze pessoas, aqui trabalham vinte e duas.
E as diferenças de idades são grandes?
No novo espaço a equipa é ainda mais jovem. Temos um leque de jovens a iniciar comigo.
Pode-me explicar como funciona este espaço?
A prioridade na nossa casa é o cliente. O cliente entra e são dadas as boas vindas pela sua chegada. Primeiramente é feito um diagnóstico para percebermos o que pretende e quais são as suas expectativas. De seguida é direcionado para uma zona de tratamento. No segundo diagnóstico é escolhida a técnica a utilizar, a cor e o tipo de tratamento de acordo com a necessidade do cliente. Temos também uma zona de manicura e pedicura. No final são transmitidos os cuidados a ter em casa.
No ano passado deu um passo importante ao abrir a sua loja online.
Considero muito importante tudo o que me faz crescer. Senti que era necessário tornar o ecommerce mais consciente. Percebi que as clientes compravam produtos que não iam preencher as necessidades dos seus cabelos, e isso custava–me. É a tela onde eu trabalho todos os dias. Entendi que uma das grandes lacunas é o acompanhamento ao cliente. Por outro lado, aprendi a segmentar. Tenho o segmento de luxo, que vai sempre trabalhar comigo. O ecommerce que é outro segmento, onde estou, mas de uma forma indireta.
É difícil conciliar a carreira com a vida pessoal?
É um bocadinho mas eu tenho sorte de ter as pessoas certas ao meu lado. Eu quero ter a minha carreira mas não quero descurar os meus filhos. Eu quero que eles tenham a mãe presente. E tenho as pessoas certas para os apoiarem diariamente. Sem a retaguarda do meu marido era impossível, sem a ajuda da minha mãe também não era fácil. Mais recentemente conto com o apoio de uma amiga que entrou na minha casa e que apoia nas tarefas.
No espaço tenho a minha irmã na receção, alguém em que eu confio a 100% como pessoa e profissional e claro os elementos que trabalham comigo, porque sem a minha equipa eu não conseguia ter o dia-a-dia que tenho. Eu tenho uma equipa fantástica que tem a capacidade de aguentar a minha energia. Às vezes digo, “aguentar-me não é fácil” e eles aguentam-me todos os dias. E saio sempre descansada que a casa anda.
Consegue definir o seu estilo de liderança?
É uma liderança em que eu consigo fazer a fusão entre o cérebro e o coração. É também a minha capacidade de recursos humanos. Eu consigo estar no lugar do outro, perceber se vale a pena falar hoje ou amanhã. Se eu fosse um objeto era a balança.
E o que podemos esperar no futuro?
Eu não traço o meu futuro porque acho que os imprevistos são muitos. No fundo, a minha máxima é dar todos os dias o meu melhor. Este ano, vou fazer algo que me vai dar muito prazer: vou criar a minha coleção. Vou abrir as portas aos profissionais do país para terem uma formação comigo no meu atelier. Será fantástico! Vou crescer muito como pessoa e profissional. A mim entristece-me quando oiço “a minha filha quer ser cabeleireira, e eu respondo-lhe não vás!”. Há muitas mães que têm esse conceito para os filhos. Se a minha filha me disser isso eu respondo-lhe, “vais ser aquilo que quiseres, mas eu vou deixar-te a melhor herança que conseguir”. Eu tenho a obrigação de puxar pelo setor. Desde os catorze anos que luto para que este setor seja tão valorizado como qualquer outra profissão.
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