Nos dois últimos anos estive presente no Gitex / Gitex Future Stars, no Dubai. Ainda longe de imaginar a pandemia que aí vinha e a forma como iria mudar tão brutalmente a nossa vida.
Ricardo Luz
Partner da Gestluz Consultores
Nesses tempos, hoje tão longínquos, maravilhei-me com o state-of-the-art da tecnologia mundial! Desde a visualização do que o 5G nos proporcionaria, ao nível da inteligência e “humanização” dos robôs, até, entre muitas outras, às soluções tecnológicas suportadas em Inteligência artificial, ano para ano mais potentes.
Hoje, olho para o que o acontece e para a velocidade com que fomos obrigados a utilizar tecnologias há muito existentes, mas que ainda não tínhamos tido o tempo, disponibilidade e/ou vontade de integrar no nosso dia a dia, e intuo a velocidade a que nos chegarão muitas das que ali vi, desde os carros autónomos que alternam entre habitação e escritório e que irão provocar enormes mudanças na forma como nos iremos mover, habitar ou trabalhar, às motas voadoras e drones-helicóptero que em breve povoarão as nossas cidades, entre as mil novas tecnologias todos os anos presentes nesta gigantesca feira.
Mas já então fiquei apreensivo com o que ali se antecipava, uma “sociedade perfeita” em que tudo é possibilitado, mas tudo é também controlado! Uma sociedade de cidadãos “exemplares”! Com a forma como a tecnologia entra cada vez mais na vida dos cidadãos, controlando-a sem que estes o percebam, ou percebendo-o mas já não se importando. Se isso era então preocupante, muito mais o será num futuro próximo, agora que esta pandemia serviu como o pretexto que faltava aos governos para controlarem a vida dos seus cidadãos. Como sempre a razão é justificável, e hoje talvez mesmo necessária, mas se nada fizermos um dia podemos pagá-lo caríssimo!
Lembro-me de, em 2018, um colaborador de uma empresa fornecedora de uma solução de reconhecimento facial, já há data usada pela polícia na China, me dizer entusiasmado que “em breve a teremos em uso por tudo que é instituição e empresa”… e era bem capaz de ter razão! E já nessa altura senti que estávamos a caminho da “sociedade perfeita” onde tudo é monitorizado e avaliado, e tudo “estará bem” se formos “cidadãos bem comportados” – que hoje perante o vírus sabemos o que significa, mas que amanhã sabe-se lá o que significará! – e onde a nossa vida pode vir a transformar-se num pesadelo, função dos objectivos de quem possui a informação e o poder para a condicionar.
Nunca como hoje a dicotomia “Tecnologia/segurança vs Liberdade” esteve tão presente! A inovação contínua e o acesso fácil às evoluções tecnológicas dá poder às pessoas, mas a sua utilização massificada – e cada vez mais personalizada – dá a quem governa informação e controlo sobre a vida dos indivíduos.
Até agora de forma por vezes impercetível e hoje já às claras, e com o aplauso de populações assustadas, aceitamos sistemas de vigilância cada vez mais poderosos e intrusivos! E tendemos a esquecer que a nossa Liberdade é muitíssimo importante e que, por boas e más razões, estamos a abdicar dela! O mundo mudou e mudará muito, mas se algo a história nos ensina é que sempre que os povos abdicam da sua liberdade, ou a mesma lhes é tirada, pagam terrivelmente caro! Mais cedo ou mais tarde, e todos desejamos arduamente que seja mais cedo, esta pandemia irá passar e nessa altura ficaremos com as consequências das decisões hoje tomadas! Temos agora outras preocupações, mas vale a pena reflectirmos sobre o que aí vem!
Quando penso nas empresas portuguesas convenço-me que muitas irão resistir, dada a resiliência, criatividade e capacidade de inovação que é característica dos seus empresários e trabalhadores. Algumas irão mesmo crescer, e encontrar nesta crise a fonte inspiradora para o desenvolvimento de modelos de negócio, produtos ou serviços de sucesso. Mas muitas serão também as que passarão grandes dificuldades, e poderão mesmo vir a fechar levando ao desemprego milhares de pessoas! Já para não falar das microempresas, algumas quase auto-emprego, que não conseguirão ultrapassar este terrível período! Temo também que aí chegados, voltaremos, novamente, ao que aconteceu na última crise financeira, em que milhares, essencialmente do sector privado, perderam empregos e rendimentos e quando a economia recuperou não só não os recuperaram para o mesmo nível pré-crise como ainda tiveram de pagar pesadíssimos impostos para reequilibrar o país. E quando este se começava a reequilibrar foram novamente eles os mais penalizados! Muito gostava que, desta vez, sacrifícios e benefícios fossem partilhados o mais equitativamente possível entre todos, mas pelo que vou vendo temo que tal não acontecerá. Enquanto país não podemos continuar a empobrecer assim, criando divisões entre os que têm múltiplas protecções e aqueles a quem pouco ou nada protege, os que para além do suor e lagrimas derramadas são quem mais perdem em tempos de crise e mais pagam em períodos de recuperação.
Mas, porque ser optimista é o que nos resta, e porque sei que a capacidade de inovação humana é infinita, acredito que haverá muitos novos negócios a surgir que poderão contribuir para uma recuperação mais rápida e para que a riqueza criada seja maior! Que não lhes sejam criados obstáculos intransponíveis para a concretização dos seus projectos, é o que mais desejo!
E desejo também que este período de forte privação nos permita intuir o quanto a vida é frágil, uma bênção que temos de preservar. Não nos deixemos enganar nem deixemos que nos tirem a liberdade de ser quem somos e de lutar pelo que acreditamos. Sem liberdade a vida pode ser sobrevivência, mas não é vida!
E não deixemos também que o raio deste vírus nos destrua a fé no próximo! Não percamos a tolerância nem a capacidade de aprender com as diferenças de identidade e cultura de cada um, pois é convivendo e potenciando o que nos une e maravilhando-nos com o que nos é diferente que progredimos como um todo!
O mundo enfrenta grandes desafios, sem dúvida! Como já enfrentou no passado e com mais ou menos dor, muitas vezes com insuportável dor, venceu-os e continuou em frente! Não tenho dúvidas que assim será também desta vez! Tenhamos esperança no futuro!
Este artigo segue a antiga ortografia por vontade expressa do seu autor.
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