A arte xávega é uma pesca artesenal que faz parte da cultura e da história da Vagueira. Atualmente resistem apenas duas companhas no concelho de Vagos e os pescadores temem que venha a desaparecer.
Junto ao armazém de madeira onde os pescadores guardam o material, um homem de boné verde e branco com o símbolo do Sporting cose as redes de pesca que acabaram de chegar do mar e que testemunham uma tradição secular que perpetua na Vagueira: a arte xávega. João Carlos Silva, mais conhecido por Ti João da Murtosa está juntamente com o filho Alberto a remendar o prejuízo que o mar lhes deu naquele dia.
“Estou com umas dores de cabeça que nem calcula”, desabafa. Pai e filho são os únicos que ainda sabem a arte de coser as redes. Um trabalho de paciência do qual é preciso gostar (e muito). “Ainda estou com um bocadinho de apetite” diz Alberto, ao mesmo tempo que solta uma gargalhada e aproveita para falar do almoço que a hora já se aproxima, “Lulas com arroz. Sou eu que cozinho”.
A manhã ia a meio e os homens já tinham regressado do mar, mas o tempo ainda não era de descanso, embora o despertar tenha soado cedo, pelas 6h30. Alberto está na xávega há 42 anos. Só lhe faltam dois para ultrapassar a barreira do pai, que começou aos 38 anos, quando decidiu trocar o moliceiro pelos barcos em forma de meia-lua. “Era um homem de força e coragem”, relembra Ti João.
“Antigamente na Arte Xávega trabalhavam 50 homens, hoje são cinco. Era uma pesca sustentável na Vagueira, chegaram a existir nove barcos, hoje há dois. E porquê? porque não há rentabilidade”
Nascido na Murtosa, Ti João dá nome à única companha que se mantém em atividade na principal praia de Vagos. Homem de outros tempos relembra que ainda começou por puxar as redes à mão, “depois passei a trabalhar com uma junta de bois, à força de broa e copos de vinho”. Hoje cada manga de rede tem cerca de 450 a 500 metros e é puxada por tratores. Realizada ao longo de todo o ano, mas dependente das condições meteorológicas e do mar, a arte xávega faz parte da história da praia da Vagueira mas muitos temem que venha a desaparecer. “Esta arte é o que chama o turismo. Estes homens vivem da pesca e geralmente não é muita.”
“Se os serviços camarários, que já apoiam mas ainda não o suficiente, não estimarem esta pesca, será uma das grandes coisas que acaba na praia da Vagueira, e isso é triste”, relembra Hilário Teles, ao mesmo tempo que afirma com carinho, “há mais de 40 anos que venho para a Vagueira, os pescadores são como se fossem da minha família”.
A alguns quilómetros a sul da Vagueira, na praia do Areão resiste a companha de Valdemar. São três irmãos, Guilherme, Francisco e Pedro, que juntos perpetuam aquilo que o pai, João Esteves Neves, mais conhecido por Valdemar, criou há 34 anos, “até mesmo agora que está em vias de acabar, temos pena de largar isto”, revela Guilherme, o mais velho dos três que começou em criança nas lides da pesca e que nos confessa “até fugia da escola para ir para lá”. Francisco é o irmão do meio. Também ele começou de pequeno, mas um pouco mais tarde do que o irmão. Ia para o mar durante as férias de verão e embora o bichinho lhe tenha entrado no corpo, não quer o mesmo futuro para o filho. “Eu não quero que o meu filho seja como eu, quero que seja melhor”.
Francisco luta para que o filho, agora com 14 anos, “não apanhe o vício do mar”, apesar de se aperceber que a arte lhe está no sangue, “com sete anos já empurrava o barco para baixo, mas agora não o levo para lá de propósito”. Em casa do patriarca ainda se discute o futuro dos filhos. Guilherme conta que a mãe se aborrece por saber que os três seguiram as pegadas do pai. E as diferenças dos tempos são gritantes, como recorda Francisco: “antigamente na arte xávega trabalhavam 50 homens, hoje são cinco. Era uma pesca sustentável na Vagueira, chegaram a existir nove barcos, hoje há dois. E porquê? Porque não há rentabilidade”.
Como forma de sustento, os pescadores trabalham de inverno no rio. “O mar não sustenta ninguém”, reforça Pedro, o mais novo dos três. E Francisco reformula, “as leis mudaram. Hoje em dia, cada um de nós tem um barco, mas de acordo com a lei não podemos trabalhar com o barco do nosso pai, porque não podemos estar matriculados em dois barcos. Para a arte xávega haveria de existir uma lei diferente”, e acrescenta “o seguro do mar não pode ser igual ao do rio, só esta semana gastámos 1500 euros e ainda não os ganhámos na companha”.
A arte que é assegurada pelas famílias tem também de enfrentar os desafios dos novos tempos, “antigamente os nossos pais apenas se preocupavam com as redes, hoje temos de saber arranjar uma peça de um trator”, refere Pedro. Além do mais, o clima também mudou, “antigamente trabalhávamos meses inteiros e queríamos um dia para descansar, hoje queremos dias para trabalhar porque o mar está sempre ruim”.
Quando questionados sobre o futuro desta arte na Vagueira os três irmãos respondem sem hesitação, “quando o nosso pai falecer a companha acaba” e de entre as muitas razões há uma que não deixa dúvidas: “as redes. O Ti João ainda sabe, o meu pai também e a gente não quer aprender. É um trabalho de paciência, é preciso saber e gostar. Nós deixamo-los e vamos tratar de outras coisas. Eu sei fazer, mas também não quero aprender mais porque vou ser obrigado a estar lá”, desabafa Guilherme.
Apoio da Câmara Municipal de Vagos
A Câmara Municipal de Vagos assinou no passado dia 31 de maio um protocolo de apoio às duas companhas do concelho. Válido por dois anos, o protocolo visa a melhoria das condições de subsistência económica através do pagamento de um subsídio de cinco mil euros a cada uma das companhas para que possam exercer nos meses de verão a arte xávega, caso as condições do tempo o permitam.
A autarquia irá ainda atribuir mais 2500 euros referentes ao ano de 2018. Segundo Silvério Regalado, presidente da autarquia, o objetivo do protocolo é que se prolongue no tempo, sendo essencial para o desenvolvimento do turismo na região.
Fotografias: Ricardo Bento – Litoral Magazine
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