Entrevista a António Nogueira Leite
António Nogueira Leite em entrevista à Litoral Magazine refletiu sobre a sua atuação enquanto Presidente da Assembleia Municipal de Aveiro (2013-2017) e o cenário socioeconómico da região. Analisou ainda temas estruturais da economia portuguesa e da zona euro, a recapitalização da banca e a execução orçamental. Na justiça a Operação Marquês e o segredo de justiça. Na política a atuação das principais figuras do Estado Português, do líder do PSD e do presidente da Câmara Municipal de Aveiro no exercício das suas funções.
Um retrato na primeira pessoa da Região de Aveiro, do país e da União Europeia.
Como foi a sua experiência enquanto presidente da Assembleia Municipal de Aveiro?
Foi uma experiência de reaproximação às minhas origens e de uma renovada compreensão da realidade de Aveiro e do seu concelho. Ainda que tenha sempre passado pelo menos dois dias por semana em Aveiro, não estava consciente de todas as questões que preocupam os aveirenses no seu dia a dia e até dos seus anseios quanto ao futuro. No lugar que ocupei pude ter muita informação, perceber quais os principais estrangulamentos e presenciar em primeira mão a saída da autarquia de uma situação de absoluto sufoco nanceiro. Como proprietário de imóveis no concelho também partilhei com todos os demais o enorme esforço fiscal que se tornou inevitável para aceder ao envelope financeiro que resgatou a autarquia. Pude também participar na colaboração entre a autarquia de Aveiro, deputados aveirenses, a Universidade e o nosso centro hospitalar com vista ao mais adequado financiamento do mesmo e ao reforço das suas valências e infraestruturas. É um trabalho vital para Aveiro que tem de continuar.
Como vê na atualidade a Região de Aveiro?
Sigo mais a atualidade económica da nossa região do que os seus eventos políticos ou mesmo a ação dos seus atores políticos. Aveiro, com uma estrutura diversi cada e voltada para o exterior, tem evoluído bem, atraiu e consolidou investimentos e, na minha opinião, deve continuar a esperar uma evolução positiva. Não só no concelho de Aveiro mas em toda a região. É claro que a articulação com as instituições públicas da região pode e deve ser ainda melhorada. Tenho muita esperança no futuro da nossa região e nas capacidades dos que aqui vivem e trabalham.
O FMI reviu em alta a estimativa de crescimento da economia portuguesa deste ano para 2,4%, mas continua a estimar que o PIB avance 1,8% em 2019, abaixo do previsto pelo Governo. Partilha desta visão otimista face ao crescimento económico e à descida da taxa de desemprego em 2018?
Portugal tem registado um desempenho económico positivo desde o final de 2013. Para tal foi importante a inversão total de políticas seguidas pelos governos socialistas de Sócrates até ao pedido de resgate. Em termos macro este governo tem seguido a receita que já vinha do governo de Passos: contenção no crescimento da despesa apesar de alguma aceleração das reposições de rendimentos dos funcionários públicos e pensionistas (que, em conjunto, são o maior grupo de eleitores), muito cuidado na gestão da dívida pública mantendo o compromisso de a honrar. Por outro lado, tem-se beneficiado de uma ótima conjuntura externa, com recuperação na Europa, crescimento sólido nos Estados Uni- dos, condições geopolíticas valorizadoras de Portugal como destino político em crescimento e juros historicamente baixos. Este último fator é crucial num país com uma elevadíssima dívida pública e privada.
Por outro lado, o crescimento das economias da zona euro e da União Europeia abrandaram, no primeiro trimestre de 2018, na comparação homóloga e também em cadeia, segundo uma estimativa avançada pelo Eurostat. Qual a influência dos mercados europeus na execução orçamental de Portugal?
Positiva pelo que acabei de dizer: mercados em crescimento têm ajudado à performance das exportações. Por outro lado, a política monetária expansionista do BCE tem mantido os juros muito baixos, aliviando fortemente a despesa pública com juros e as contas de muitas empresas, que continuam fortemente alavancadas.
A dívida pública portuguesa diminuiu pela primeira vez em 2018, tendo-se situado em 245,9 mil milhões de euros, em março, segundo dados divulgados pelo Banco de Portugal. Esta diminuição pode melhorar a imagem do país além-fronteiras, em especial junto dos nossos credores e das agências de “rating”?
É muito importante que se continue o esforço de redução do rácio de Dívida no PIB. Aliás, é o que o Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo contempla. Os ratings descem rapidamente
mas demoram a subir: há que ser persistente e não dar quaisquer sinais de retorno às políticas que nos levaram à crise e resgate de 2011.
Desde 2008, os contribuintes portugueses já perderam cerca de 15 mil milhões de euros a tentar salvar banca. Como analisa a recapitalização da banca com fundos do Estado?
Num país em que todos os setores estavam muito endividados era de esperar que a banca viesse a sofrer. Os desastres empresariais e particulares acabaram todos na banca. O próprio programa de 2011 já contava com 12 mil milhões para capitalização dos bancos. A alternativa teria sido por os depositantes a pagar, mas entendeu-se que tal produziria efeitos sistémicos de alcance e magnitude difíceis de antecipar, que se quiseram assim evitar. Para além das perdas no crédito e nas participações em empresas (que muitos bancos tiveram no passado), a banca teve que aceder a capital para satisfazer as exigências muito maiores que hoje são impostas no que respeita ao capital dos bancos e ainda a erosão da margem financeira motivada por juros historicamente baixos (que são bons para quem deve mas péssimos para quem empresta). Tudo isto levou a um esforço muitíssimo grande, quer do Estado quer dos investidores privados dos bancos. Também eu considero que a alternativa teriam sido pior. Acho também que o futuro não é ainda claro, numa economia descapitalizada como a nossa, com um mercado de capitais muito pouco profundo e níveis de poupança baixos. Mesmo com muito mais cuidado na gestão e concessão de crédito e supervisão muito mais apertada, enquanto não mudarmos o paradigma da nossa economia ou atrairmos capital à séria para as nossas empresas, não estamos livres de novos episódios no futuro.
O investimento de capital estrangeiro no setor financeiro em Portugal tem crescido, recentemente a chinesa Fosun destaca-se como o maior investidor do BCP, com 27% do capital. A entrada de capitais de diferentes nacionalidades compromete a independência da banca portuguesa?
Não há capital em Portugal. Ou antes, há pouco. O único banco de dimensão dominado por capitais portugueses é o banco do Estado. É a consequência da nossa falta de capital, que durante duas décadas mascarámos com o uso de dívida por parte de muitos empresários ngido que era capital. Isto é, a crise revelou que em muitos casos os supostos capitais próprios não tinham sido construídos por acumulação de capital mas antes por acumulação de dívida. O resultado está à vista.
Nos últimos anos os casos de corrupção por respon- sáveis administrativos ou titulares de cargos políticos com influência no exercício das suas funções têm vindo a público. Processos com grande repercussão mediática como José Sócrates ou Manuel Pinho descredibilizam a classe política?
Há uma grande desconfiança. É essencial que se separe o trigo do joio. Continuo convencido que, podendo haver mais casos, situações como as que refere, estes serão a exceção e não a regra. Mas é fundamental que se reganhe a confiança e para tal há que demonstrar o que acabo de dizer: que estes últimos casos não são exemplo de um comportamento generalizado.
Qual o impacto da exposição mediática e da quebra do segredo de justiça como a divulgação na televisão de vídeos dos interrogatórios da Operação Marquês para a justiça em Portugal?
Já havia uma acusação que qualquer pessoa podia ler. De qualquer modo a divulgação parece ter tido um forte impacto, maximizado pela aproximação das legislativas de 2019 e da necessidade de separar o partido socialista do caso do ex-primeiro-ministro.
Como analisa a atuação do presidente do PSD Rui Rio na liderança do partido nos primeiros meses de mandato?
É muito cedo para fazer um julgamento. Excetuando a minha intervenção em Aveiro na Assembleia Municipal entre 2013 e 2017, não frequento reuniões partidárias desde 2011, pelo que sigo os acontecimentos como qualquer cidadão. Assim sendo, e do meu posto de observação, penso que há boa intenção, mas muito pouco tempo para poder ser justo na avaliação do novo líder do PSD. Para bem da construção de alternativas à situação, espero que tenha os maiores sucessos e penso que tem os predicados para vir a ser um bom líder da oposição.
Como analisa a atuação do executivo do primeiro-ministro António Costa?
Bem no plano das finanças, ainda que usando uma estratégia de contenção de despesa corrente que, sem reformas na administração, vai acabar por se tornar insustentável. Nas outras áreas, é normal que alguém com uma visão mais liberal do Estado e da economia como eu, preferisse outras políticas. De qualquer modo, acima das minhas expectativas iniciais.
Como avalia os dois anos de mandato do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa?
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa é, de muito longe, o político mais popular de Portugal. Deste ponto de vista, tem sido um sucesso retumbante. Quanto ao mais, na substância, tirando alguns reparos pontuais, acho que tem tido um papel muito positivo de que o país carecia.
Como analisa a liderança de presidente da Câmara Municipal de Aveiro Ribau Esteves?
O engenheiro Ribau Esteves teve a capacidade única de resolver a tragédia nanceira a que a Câmara de Aveiro tinha chegado. Só isso, a meu ver, justifica plenamente a confiança que os aveirenses depositaram nele. Espero agora que tenha um excelente desempenho e que, sempre que possível, oiça a excelente equipa de vereadores que teve o mérito de escolher. O seu desempenho na equipa que lidera é muito importante para o presente e para o futuro da nossa comunidade.
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